Quando eu morrer,
Seja de Velhice, Doença
Acidente ou Assassínio,
Dividam meu corpo em dois
E coloquem-me em cada margem do rio.
Ao ver-me aqui, do lado de cá,
Sei perfeitamente mas incomoda-me,
Como incomodaria a uma criança,
Saber que não posso estar do lado de lá.
Não posso, efectivamente, estar em dois sítios
Simultaneamente.
Não posso saborear o mesmo vento, a mesma água e o mesmo Sol
Em margens diferentes.
(Mas é o mesmo vento e a mesma água e o mesmo Sol!)
E não posso fazer tanto e ser tanto ao mesmo tempo:
Não há meio termo, tal como não há meia margem…
Foi por um capricho sádico que Deus
(Ou qualquer outra dessas criaturas fora do domínio humano)
Separou as margens simbióticas:
Para cá há sempre um lá,
Para cada luz há uma sombra
E para ser verdadeiramente a margem direita,
Ela tem que ter uma margem esquerda.
De quem é o senhor, se não tiver servo?
Metade Incompleta do Ser, o senhor é o servo do seu servo.
Assim sei que para a minha margem, há uma Outra que eu não vejo,
Mas sinto.
Sinto que onde a minha margem acaba, inicia-se Outra,
Necessariamente um outro Eu,
Tal como eu sou necessariamente a Outra Margem.
Onde eu sou senhor do meu servo e servo de meu senhor.
Mas esta Outra eu não conheço, tal como não me conheço,
Pois é uma margem longínqua. Distante. Escondida entre a bruma.
Como tal, quando eu morrer,
E o meu corpo deixar de responder a estímulos carnais
E a minha mente não mais se apoquentar de margens e rios,
Aí, quando eu parar de ser e não mais me modificar,
Dividam o meu corpo em dois.
Coloquem-me em cada margem do rio
E aí serei tudo e estarei em tudo,
Serei a margem direita e a margem esquerda,
Simultânea e eternamente.
David João
. Quando Eu Morrer (Revisão...