Sábado, 13 de Setembro de 2008

Júlia

Olho para ti. Eu sei que te vais embora, mas não consigo pensar nisso. A minha pessoa não pensa que esta será a última vez que te vejo. Eu simplesmente não consigo raciocinar isso. Sinto que é apenas mais uma vez, e que amanhã ainda cá vais estar, aqui, no café, a dizer uma baboseira e estupidez qualquer ao Nico ou à Alexandra. Eu não acredito que tu te vais embora, Júlia.

            Estamos os dois ao pé do Nicola, tu a despedires-te das pessoas e eu à espera que fiquemos sozinhos. Finalmente a Sílvia pára de chorar baba e ranho e despede-se de ti, indo com o Nico e com a Maria ao mesmo tempo. Eu encosto-me a um canto e deixo-te despedires-te da Pontinhas. Dás-lhe umas quantas palavras de carinho e lá se vai ela também.

            -Vamos, voltemos lá para baixo - dizes tu, já pronta para ires ter pela última vez à quente e abafada cave do café - A Teresa e o Carlos ainda lá estão à espera.

            -Espera - digo eu - que quero dizer-te umas coisas.

            Desvias o olhar. Não sei porquê. Acho que não queres olhar para mim, sabendo que eu me vou estar a despedir e sabendo que estamos no fim. Ignoro esse gesto, eu sei que tu detestas despedidas. Pego nas tuas mãos, para procurar um conforto para o que te vou dizer. Quero sentir-te uma última vez, saber que estás aqui, física e mentalmente, saborear da nossa amizade um último instante.

            - Júlia, eu só queria dizer-te… Adeus. Tu és das pessoas mais importante para mim, e foste a primeira pessoa no mundo em quem eu confiei. Quero que saibas o quão tu és importante para mim. Sempre estiveste lá para mim, quando eu precisei e eu sei que te vais embora porque sentes que necessidade de fugir. Fugir dos problemas e começar num lugar novo. E…

            Deitas a tua cabeça no meu ombro e sinto o teu peito a arfar, um desejo desesperado por respirar profundo de forma a te acalmares. O melhor é sussurrar-te ao ouvido, tendo em conta que eu também já não me acho com forças para falar acima de um suspiro.

            -E … Não deixes que a vida te leve abaixo. Sê como és. Luta e sê feliz. Ouviste?

            Sinto-te no meu ombro a concordar. Levantas a cabeça e as lágrimas percorrem-te a face. Limpo uma da bochecha. Abraçamo-nos e sinto o teu corpo a tremer. Tento ser um pilar, tento reconfortar-te e tento ser forte mas nem forças tenho eu para suportar o meu peso.

            -Vamos lá para baixo então, digo eu.

 

            Arrumamos a nossa tralha e partimos os quatro. Telefono ao Nico, enquanto tu vais trocar uns dólares em euros, de modo a poder ficar mais uns quantos minutos e acompanhar-te. A Teresa vai-se embora depois de se despedir de ti. Ficamos três vamos à estação esperar pela Alexandra. Fazemos conversa de treta e falamos um pouco de outra coisa para além daquilo que já nos separa.

            A Alexandra, como sempre, atrasa-se, mas eu também não a posso censurar. Já cheguei uma hora atrasado a um encontro e mesmo tu, Júlia, chegas-te uma hora e meia quase atrasada para vires ter connosco, nós que cá ficamos enquanto tu te vais. Eu sei que cada atraso tem uma história por trás, mas eu tenho mesmo de ir. Espero pela Alexandra e ela chega. Despeço-me de vocês os três e sussurro-te ao ouvido “Boa sorte e sê feliz.” Já estou a subir as escadas e oiço-a a dizer algo sobre eu estar diferente.

 

            Chego a casa cinco minutos atrasado e telefono à minha mãe. Nem sei bem para quê. Espero uns minutos e o Nico começa a fazer umas pizzas no forno. Vejo um pouco de televisão, os Simpsons e mal acabam... Adormeço no sofá a ouvir música. Devem ser umas nove horas.

            Saí de ao pé de ti, Júlia, seriam umas sete e trinta e cinco. Passaram-se já umas quantas horas, são dez e quarenta e quatro da noite do dia vinte e nove de Junho e já dormi um pouco. Acordei agora mesmo e… E pronto.

            Decidi que tinha de te escrever isto, porque, apesar de o meu cérebro já o saber, o meu coração não processou ainda o teu desaparecimento da minha vida. Ainda imagino chegar aonde quer que vá, ao parque, à rua, ao café, e estares tu lá, sob o sol laranja, a sorrir e a dizeres as quaisquer coisas estúpidas que tu dizes. Ainda imagino-te lá simplesmente… A fazeres merda e porcaria, a rir-te como uma parva como te ris, nesse riso de golfinho que tens. E o meu coração já se enche de… um sentimento vazio. Se calhar nunca mais estarei contigo face a face e essa realidade enche-me o coração de mágoa e tristeza. Saber que nunca mais vou ver mesmo esse teu sorriso.

            Tenho que te escrever uma despedida melhor do que a que te fiz, simplesmente porque o devo fazer: Quando me conheceste eu era diferente, mais escondido e tímido, com medo do mundo e das pessoas. Do que pensavam de mim. Medo de quem eu era ou do que eu podia ser. E eu não vou falar do que aconteceu depois, de tudo o que eu pensei e de toda a estupidez que se passou entre mim e o Nico, entre eu e tu, e entre vocês os dois. O que se passou entre vocês é com vocês, e o que se passou entre eu e ele é connosco, mas estamos os três ligados. E quando eu estive em baixo, provavelmente a primeira vez na minha vida, tu estavas lá para me amparar e para ouvir. E eu não sei bem porquê, senti que podia confiar em ti, que tu realmente eras minha amiga, e foste a primeira pessoa no mundo a quem eu confiei. A primeira pessoa no mundo em que eu pensei que tinha uma amiga. Abriste o meu coração e a partir daí descobri que tinha tantos e mais amigos: o Carlos e a Alexandra, o Nico, a Teresa… A Sílvia e os outros tantos.

            Agora, acho que fui eu, não sei, que falhei como amigo. Passaste por maus momentos este ano e eu sei disso, e eu só me via impotente por te ajudar e não sei se dei o meu melhor, se eu podia ter evitado algo, se eu te podia ter ajudado e tornado o teu fardo menos pesado. Talvez se eu tivesse feito algo tu nem terias ido para onde fugiste. E não sabes como isso me come, pensar que depois de tudo o que significavas para mim, eu fui uma criança ingrata e nada devolvi, só consumi a tua gentileza sem nada para te recompensar. Sinto que nos afastámos um pouco e que eu… Eu não fiz nada para o modificar. Só te via em baixo e eu não era capaz de te levantar os problemas, não era capaz de carregar o teu fardo e… Sinto que tu tinhas problemas e eu não estive lá para ti e tu te foste embora antes que eu pudesse reconciliar-nos. Desculpa.

            Para acabar, digo-te mais uma coisa: que a importância que alguém tem não tem haver como número de pessoas que a amam. Só o quanto essas pessoas te amam. E tu tens todo o meu amor. Tu tens todo o amor da Alexandra e tantos outros. Tens amigos aqui e eu quero que te lembres disso sempre que estiveres em baixo. Só existe um número finito neste mundo de pessoas que eu ame e ponha a sua vida acima da minha e uma delas és tu. Eu queria só dizer isso, porque, mesmo que não sintas o mesmo por mim, saibas que… Nem eu sei bem o quero que tu saibas. Acho que o que eu quero que tu saibas simplesmente é: Eu amo-te e adoro-te, sendo tu uma pessoa incrível e só queria que estivesses aqui comigo a rir-te, como te ris. E acreditas que eu estou a chorar, eu que não choro, para além de umas fungadelas raras desde os doze anos, choro aqui sozinho na minha sala de estar às onze da noite?

            Eu devia ter-te ajudado mas agora tu vais-te embora, tentar reconstruir a tua vida num outro lugar, a mim só me resta dizer o que disse e desejar-te felicidades. Quem me dera saber o que dizer mesmo para além de torcer o dedo por ti e perdoar-te quando te esqueceres de mim, aqui escondido. Adeus Júlia. Boa sorte.

 

 http://www.youtube.com/watch?v=V5A2IAgyQEg

 

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reflexo de turma 12º 12 às 20:47

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