Ardem-me os olhos no fumo da incerteza. Sinto-me pirética. Voam à minha volta objectos desordenados como num rito satânico. O caos. Rodopio num furacão de imagens que os meus olhos não conseguem fixar. E, no entanto, quem me dera alcançar apenas uma que fosse.
Dói-me a cabeça! Ando de um lado para o outro, hereditariamente. Revejo o meu pai como um general, um reaccionário de mãos atrás das costas, andando para a frente e para trás, uma e outra vez, passeando os meus olhos vagos, difusos, confusos e indecisos. Porque o relembro agora?
Estou dentro de um carro, de um insuportável branco, irrespirável e abafado com sabor a Purgatório. Como vim aqui parar? Não percebo. Sinto-me claustrofóbica dentro destas quatro paredes sem cor que se fecham sobre mim docemente. Mas… quais paredes se estou num carro? Não percebo!
Estou zonza, deliro. Estou de ressaca de um alcóol que não bebi e sinto ainda nos lábios, que me corre nas veias frenético e seguro, rasgando-me a pele que me explode contra as paredes pálidas deste sítio ao ae livre. Onde estou? Ah, se eu soubessse! …
Estou no carro, sempre estive. Está nevoeiro e um trânsito descomunal, em frente à ponte. Como eu queria passar aquela ponte! Estar do outro lado daquela ponte sem asas. Quem me dera estar lá, do outro lado, perto das pessoas que detesto. Que mania de me tornar naquilo que detesto! Na realidade detesto todas as pessoas. Pelo menos, aquelas que tenham olhos, nariz, boca, corpo, sangue.
Só queria passar aquela ponte! Não percebo este trânsito infernal. Não percebo, não percebo! Se o percebesse poderia… se soubesse quando acabaria , porque está aqui, neste dia de Verão assolapado poderia, sei lá, voltar mais tarde, ir por outro caminho, ajudar no que fosse preciso, desde que esta maldita fila andasse!
Três e meia da tarde, estou atrasada. Que indecisão voraz! Volto para trás, procuro outro caminho? Não posso! Engulo um grito desgarrado que faísca, forte, na garganta. Tenho o corpo dormente, a cabeça a explodir. Os meus olhos começam a ceder à gravidade, exaustos, febris. A ponte – murmuro num último delírio – não percebo…
Sílvia Marôco
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