Adormeces na penumbra deste anoitecer que chegou antes mesmo do tempo passar por nós. Nos teus braços repousas um corpo cansado. Em teu peito desagua um rio de lágrimas. Esperas, na tranquilidade deste instante, a paz inalcançável.
Para lá do quarto o mundo agita-se em convulsões sistemáticas. Aqui, por entre o cetim que te acaricia a pele nua, o silêncio é dono de todo o espaço e a atmosfera respira a placidez do paraíso. Na dimensão ao lado, olho-te, através desta parede de cristal que nos separa os corpos, mas é incapaz de nos desenlaçar as almas. As minhas mãos percorrem o vidro frio, procurando romper a barreira e sentir o cálido prazer de tocar na tua face. O meu corpo rende-se à impossibilidade de devorar o teu, deixando minha alma amar-te como apenas ela é capaz de fazer. Sento-me neste quarto paralelo, com esta janela imensa sobre ti, e deixo tocar aquela música que ambos encontrámos um dia como nossa, numa esquina da vida.
Esta Noite, somos dois, corpos separados por entre espaços dimensionais diferentes, mundos diversos, escutamo-nos em segredo murmurar a esperança de encontrar o caminho para nos fundirmos de novo, no mesmo tempo, no mesmo espaço, naquele abraço apertado, naquela luxúria ardente que queima os corpos e une as almas para sempre. Olhamo-nos, através desta abertura mágica entre os nossos mundos, vemo-nos, distorcidos, disformes, mas conhecemo-nos demasiado tempo para termos qualquer dúvida daquilo que somos e sabemos ser.
A Noite esvai-se entre a contemplação do outro e a música que quebrou o silêncio, entre as mãos que se espalmam sobre esta barreira de vidro e se sentem atrás dela, entre os corpos incandescentes que ofuscam na escuridão destes quartos escuros onde apenas as almas brilham, como o Sol da próxima manhã.