Ali está ele. Não interessa o nome, não interessa como é, quer física, quer psicologicamente. Não vamos criar estereótipos e simpatias. O que interessa sempre é deixarmo-nos ir, independentemente do final da história, o que conta são sempre as peripécias, depois é só dar descanso aos coitados.
Pegou no pincel. Deixa-o escorrer sanguinariamente sobre a tela, que espera sedenta de vida alheia, só para saber o que é ter alma e adamastores dentro da carne fremente de energia. Ele mantém os olhos fechados, as mãos sabem representar como ninguém as ondas que rebentam na invisibilidade do sentir.
O pincel funde-se com a tela. A velocidade é estonteante, dá a impressão de termos deixado passar por nós um furacão demasiado rápido para se ver. Quase toda a tela está coberta de vermelhos arrastados em todas as direcções, as pinceladas são velozes, ondulantes, vibrantes, como se tivessem esperado demasiado tempo para entrar em acção. E havia tanta coisa por dizer…
Agora o amarelo, vários amarelos, sempre com o máximo de efeitos luminosos possíveis, amarelos eléctricos, intensos, angustiantes, com que ele vomita descontroladamente um triângulo sem base, no espaço deixado pelos vermelhos tensos, violentos e apaixonados.
Falta o toque final. Não podemos ignorar o negro. Má ou boa, esta cor ronda-nos a todos. E lá está o negro, escorrido numa linha contínua por baixo do que seria a base do triângulo, se este a tivesse. Ele liberta o negro suavemente, cautelosamente sobre a tela. Há uma postura tétrica e elegante nesta cor que não que não podemos deixar passar em branco…só em negro, do qual a essência não convém perder.
E aí está o quadro no seu todo. Nem ele se lembra de como começou, a primeira pincelada que deu, nada. Apenas a ressaca da festa de luzes e sensações que avivou naquele quadro branco, sem que nada o previsse. E aí está a obra, não de pedra e cal, mas de tinta, carne e tela. Mais uma obra abstracta como abstracto é tudo aquilo que sentimos.
Ele olha a tela numa mistura de amor e transe. A tela grita-lhe em cor e em voz, toda a sua própria história, ou o que sabe dela, pede-lhe que lhe conte o que ele sabe.
Ambos sabem a história agora. A história que não tem fim, porque não o sabemos e não o vamos inventar, a história que não tem fim, assim como não tem base aquele triangulo amarelo de todas as frustrações expelidas. Mas o que importa o fim? O que importa é deixarmo-nos ir não é? Claro que sim, agora sem duvidas.
Ainda há muitas cores com diálogos reprimidos por aí. Ainda há muitas mãos dispostas a dialogar com elas. Criemos peripécias. Amén.
23-02-2008
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