Ao Professor Olegário Paz,muitos parabéns!!
Uma manhã eu acordei e estava diferente. Não conseguia perceber bem. Ao princípio pensei que tinha gripe, sentia-me febril e ligeiramente eufórico, mas plenamente capaz físico e mentalmente. Decidi imediatamente consultar um médico.
Após quinze minutos por cem euros sem fazer absolutamente nada, ele chegou a um diagnóstico: Eu estava feliz. Diga-me que não é verdade, disse eu, Diga-me por favor. Ele olhou-me gravemente nos olhos e informou-me que teria sorte se alguma vez conseguisse voltar a deprimir-me. Senão estivesse tão imensamente contente, era o que teria feito naquele momento. Nem quimioterapia, radiação, cirurgia, excisão, não seria possível dilacerar e magicar com o meu corpo a qualquer custo e modo? Ele aquiesceu e disse, Olhe, não existe muito que possamos fazer, mas tente ter pensamentos negativos, pode ser que ajude. Depois indicou-me a uma segunda opinião médica: a de um psicólogo.
Fui para casa, terrivelmente feliz. À minha volta, aonde antes via miséria e fome e solidão, só conseguia ver casais apaixonados, cachorrinhos e conffettis cor-de-rosa ao redor. Estava no mais alto imaginável. A certa altura apanhei-me a cumprimentar bebés e a fazer caretas a idosos. Ou pode ter sido ao contrário, a felicidade era tanta que me custa lembrar.
A minha primeira missão foi tentar quebrar a notícia aos meus entes queridos. Preparei com o máximo cuidado uma intervenção numa casa mortuária, de modo a suavizar o golpe, com crisântemos e miniaturas de caixões penduradas dos mais diversos sítios. Estava decido a ser o mais triste a anunciar o jubiloso infortúnio que me havia sido infligido. Eu sou feliz, disse-lhes, seguido de suspiros e soluços e a minha prima mais nova, a Elisabete de setenta e oito anos, desmaiou logo no local, para ser depois reanimada pela equipa de paramédicos no Amadora-Sintra.
Já tenho felicidade constante e plena há quase cinco anos na minha vida, mas nunca nos habituamos bem à ideia da nossa fortuna. Ainda no outro dia, estava eu a cantarolar no meio da rua, quando me deparei com um antigo colega, vi logo na cara dele que sabia que eu tinha algo. Expliquei-lhe a situação e o meu sorriso e ele apenas conseguiu murmurar um, Lamento imenso, antes de se lavar em lágrimas. Estou mal, já se começa a notar no meu corpo e na minha face, estou cada vez mais saudável e esbelto e não existe nada que a Medicina Moderna possa fazer por mim. Mas mantenho-me positivo – isto é, negativo, de que irei conseguir vencer esta… coisa.
João
O Patinho Feio
O Patinho Feio era um cisne muito bonito.
Pena nunca ninguém ter tido o conhecimento de que ele era, na verdade,
Um cisne muito bonito.
Logo o Patinho Feio cresceu a pensar que era
Um Patinho Feio.
Era tão Feio quanto era Bonito, se formos a ver bem.
Mas uma coisa era certa:
O Patinho Feio era muito solitário.
Tão solitário que para passar o tempo
Fazia dicionários com as suas definições de solidão.
Claro que a sua mãe não ajudava,
A Pata Mor.
Ela dizia-lhe que ele não podia grasnar,
Quando todos os patos grasnam,
Todos isto é, menos o Patinho Feio e Pata Mor.
Mas o Patinho Feio também não tinha interesse em grasnar.
O Patinho Feio cresceu sozinho
E depressa se fartou dos riachos e dos lagos.
Todas as folhas eram iguais, a chuva fazia sempre o mesmo som.
Não percebia a importância que poderiam ter para os outros.
Assim o Patinho Feio cresceu até se tornar num Pato Feio
Bem feito, ou neste caso, mal feito porque era um cisne.
E ia para o seu emprego, nos cubículos Quack Lt.,
E voltava para a sua casa nos nenúfares sociais,
Para ir dar um banho de esponja
À sua cada vez mais repulsiva
Repugnante
Mórbida
Odiosa
Obesa
Madrasta.
Afinal, porque uma mãe assim tão má não é mãe.
E a Pata Mor não era a mãe biológica do Pato Feio.
Um dia, cansado da vida,
O Cisne Ignorante chegou a casa
Para descobrir a mãe morta na banheira.
Apeteceu-lhe grasnar mas não valeu de nada.
Viveu mais duas semanas até partir o pescoço numa tentativa de auto-asfixia erótica.
Brother Bernard
(P.S. - Eu tenho o perfeito conhecimento de que o Patinho Feio foi escrito por Hans Christian Andersen no século dezanove.)
Ao peito, costumo usar um crachá,
Crachá este que de certo é
O crachá mais bonito que já vi.
De tal modo que nunca ando só
Reflectindo o mundo todo em si.
Bernardo
Enquanto arrumo o meu armário percebo que guardei demasiado tempo peças que, há muito, deviam ter ido para o lixo das tarefas acabadas ou das ruas sem saída e, aí permanecido até que fossem só a leve brisa de um sonho qualquer. Inútil como os outros. E é uma mistura de alívio e pena fazê-las desaparecer. Mas vê-las deteriorar-se ainda mais é, agora, uma hipótese nada plausível. Olho lá para o fundo e reparo que há uma outra secção que pode ser recuperada. Culpa minha que as esqueci demasiado tempo. Sorte que, neste caso, ainda há tempo de recuperar o tempo quase perdido.
Abro uma gaveta e inexplicavelmente revejo o gesto de uma pessoa q existia nas ranhuras da minha imaginação. Tinha 23 anos quando ela apareceu pela primeira vez para me desarrumar as gavetas. Chegava e, com os seus gestos naturalmente nervosos abria e fechava uma gaveta qualquer, às vezes remexia lá dentro como quem busca alguma coisa que não sabe o que é nem porque procura. Isso irritava me bastante, principalmente em dias como hoje em que as acabara de arrumar. Então Cristina sorria e fazia o seu ar culpado de quem é apanhado de surpresa pelos próprios actos. Então, o sermão que eu começava a delinear desvanecia-se até às origens. Era dois anos mais nova que eu, o que me dava a sensação de ter os deveres de um irmão mais velho.
Um dia ligou-me do hospital. Tinha partido um braço, ficou até com uma pequena cicatriz. Escorregou numa pedra. Fui visitar a minha quase maninha fictícia. Brincou com o ocorrido, disse que podíamos fazer a competição de natação à mesma, que me ganhava só com um braço. Sorri, não havia nada que quisesse dizer. Tinha uma curiosidade expectante em observá-la, fascinava-me. A enfermeira disse q era normal ela ter dores durante uns dias. Nunca a ouvi queixar-se. Um mês depois voltou ao local da queda, fechou os olhos e propositadamente deixou-se cair. Perguntei-lhe porque o fizera. Respondeu-me que queria aprender a cair sem se magoar. “Conseguiste?”-perguntei-lhe. “Não, fiz uns arranhões…” Pensei que, tendo em conta que partiu um braço e ganhou umas quantas mazelas da 1ªvez, uns arranhões da 2ª já era um resultado considerável. Não voltou lá.
Era instável, imprevisível, excepcionalmente espontânea. Foi por causa disso que deixei de confiar ou desconfiar das pessoas. Confiava nos outros o mesmo que confiava em mim. Se não podia prever as minhas próprias acções, não podia prever as dos outros. Não existe confiança no desconhecido. Foi então que ela desapareceu.
-Lembras-te dela, Cristina?
-Sim, lembro-me de ti. Vamos, Rui, hora de ir para o aeroporto.
-Vamos, mas fecha a gaveta primeiro!
Silvie
. 091009
. Tempo
. K.O.ALA
. (...)
. Onanismo
. Sinos tocam no horizonte ...
. Origem
. Onanismo
. Reflexos... pensamentos, ...
. Descrições de Uma Planaçã...
. A Título