Uma última declaração na tumba, antes do pó se assentar. Palavras que devem ser ditas, não dissimuladamente, mas explicitas, apesar de estar consciente da improbabilidade de elas chegarem aos olhos a quem se digirem:
ULTIMATUM
Expresso neste papel é o meu direito como pessoa (e eu sou uma pessoa como qualquer pessoa poderá acertar) de libertar no mundo um ultimato , aquele som que se divide entre o riso pela vida e a raiva pelo mundo que se confunde tanto nos tempos de opressão. Que não fique dúvida: Isto não é literatura, mas um documento informativo. Eu não finjo, explicito. Onde uns elaboram fumo para atacar, eu apenas revelo para afirmar. Onde me disseram que armadilhavas, eu ilumino. Fica aqui a verdade, não a tua nem a minha mas a verdade. Expressa aqui é a tua certificação de óbito.
Nasceste numa chuvosa tarde de 24 de Março, e morreste num ano sem fim e num dia sem tempo. Desde então, sinto-te como sinto um membro amputado, como uma mão esquerda cortada. Fazes-me falta, de vez em quando, para sentir e para ser completo. Mas tal como vivia antes sem ti (quer dizer, nunca vivi sem uma mão para a ter pela primeira vez, mas é este o problema com as metáforas: não sabem ser claras) vivo outra vez sem ti, com dores fantasmas quando o tempo assim o deseja. Mas o tempo também pede por trovões de vez em quando, e eu tenho restringido por uma questão de privacidade e uma questão de bom gosto, pois mais vale ser bom vivant que um estereotipado coração destroçado. Claro que não sou eu aqui o amargo e o mesquinho, mesmo na elaboração deste ultimato . É necessário que tu percebas a mensagem que toda a gente já canta pelo meu reino de Deus.
Foi uma aventura, é certo, como dos contos mas uma aventura que não teve consciência do seu fim. Se alguém tivesse visto o caminho de vez em quando, talvez não nos tivéssemos emaranhado tanto no bosque, mas já que cá estamos não vale a pena tentar encontrar o trilho de volta. Assim, pára de deixar pão pelo caminho. Como dois pólos do íman, a melhor maneira de descrever a aventura é “Iguais na sua oposição, íntimos como apenas os desconhecidos o podem ser”. Que se foda . Morre e deixa morrer.
Pela minha vida, são vozes interiores que regurgitam planos e pistas aos meus ouvidos, abutres cadavéricos para os quais qualquer acção é uma dissimulação, de ambas as partes (suas e tuas). Vêm fingimento em tudo e assim querem-me convencer. Querem-me bem mas deixaram-me paranóico, de tal forma que mais valia nem terem falado. Desde que falaram não há descanso para a minha mente e começo a ver formas onde há apenas sombras. Que me querem? Querem que eu te seja igual? Querem que eu comece a sussurrar insultos, querem que eu comece a ser o mentiroso? Querem que eu realmente seja o manipulador? Eu não me dou bem com intrigas, eu sou feliz na minha simplicidade. Para mim há o amar e o ser amado. Há o desconhecido e o desconhecedor. E por fim há o ódio.
Sim, pois estas vozes dividem-se em expressões de ódio e murmúrios de amor. Ódio de quem te quer mal, amor de quem nos quer bem. Eu já não quero nada senão paz. E isso significa-te longe. Que assim seja.
Uma voz que são duas (Onde estás? Quero-te próximo do meu peito) fica triste e sombria, como nunca vi ninguém ficar e ainda não vejo. Fala como se fossem unas nossas acções quando não o são. Eu sou a criança mas não sou o infantil, tu és a mulher que não sabe o que é altruísmo, confundindo egoísmo e hedonismo com independência e amizade. Talvez o Bom Livro tenha as tuas perguntas e tu sabes cada página mas eu já tenho perguntas e nunca foram poucas. Quem te pagou pelo trilho, como quem paga pelo corpo e alma? Aí está a diferença que ela não vê em nós: Eu sou culpado de inocência. Tu apenas és inocente de não seres criminosa.
Uma voz mais perto, que mais perto fica e me edifica, diz-me que espere e censura a minha impaciência. Puxa-me pelos dias, como uma corda de salvação, e vejo passar o tempo e vejo passar os meus cabelos jovens pelos meus olhos e amanhã está cada vez mais perto mas nunca mais chega. Quando chega, para haver paz?
São outras vozes, indistintas e confusas vozes, desconfio dos seus motivos, que me pedem sangue e que poupe a clemência (sinto-me tentado a ouvi-las) e que me falam de planos e me falam sobre Waterloo. Mudaram-me a mente e comecei a falar de planos e sobre vitórias e derrotas inglórias. Dizem-me que eu sou uma casa e que Deus não gosta de ti. Eu posso não ser a casa de Deus, mas sou a casa da Razão e sou eu quem já não gosta de ti. No entanto, e apesar de eu ser ouvidos moucos para influências aladas, têm razão:
A Raiva. A raiva que me invade. Quero que me dês mais raiva, quero sentir este meu planeta vermelho onde habitávamos ser engolido pela raiva, quero sentir a raiva em cada superfície e extremidade do meu corpo como se de uma corrente eléctrica se tratasse. É isso que eu quero, raiva para poder corromper e destruir os alicerces do mundo e banhar-me em sangue quente como quem nada no oceano, livre de pecados e santidades. Há mais tempo no mundo que poemas por desperdiçar e mentiras a fabricar e eu sou o senhor absoluto da minha vida. A minha raiva pode acabar com aquilo que tu começaste e é essa a minha promessa se não escutares a mensagem. Quero, não a força, mas a esperteza; não o modo, mas a oportunidade; e acima de tudo, quero, com todas as forças, que se apercebam da seriedade das minhas palavras. Raiva de te dizer que não há mais espaço para sinceridade, não há mais espaço para o ser directo e não há mais espaço para o carinho de que tanto falas, porque saem-te da boca vazias e perdidas. Tu falares de valores e altruísmo é como eu falar de vinho e extâses ao luar: Ninguém sabe do que fala. Os erros que me apontas abundam em ti.
Posso ser várias coisas e há tantas definições no dicionário, mas já é tarde. Eu sou o parvo mas só quando eu o quero e não é para os outros. Abri-te um livro e rasgaste-me as páginas. O talento que não querias que desperdiçassem fica a escrever apenas porque é a única parte ainda do meu ser que te quer bem. O resto quer-te tanto quanto a uma doença venérea e quanto mais depressa cumprires o que te prometeste a fazer (como já fizeste tantas falsas vezes e nunca chegaste a deixar-me) melhor para ambos.
Atenta: Os dois amigos morreram. É assim que acaba o conto. Um foi-se embora para nunca mais voltar. O outro foi o falso que o deixou escapar, demasiado orgulhoso para com o outro. Não te darei a satisfação de seres algo mais para mim do que um simples abcesso e ,como tal, nunca mais fales de honestidade e de amizade na minha presença, pois aí falar-te-ei da hipócrisia e dissimulação. Falaste contra mim como quem fala contra si. Eu falo de ti e apenas canto a mensagem: Estás morta. Apercebe-te disso e pára de fingir que estás viva.
João
Mais um. Um segundo apenas. É pouco? É muito? Um segundo. Um e outro, e outro, e quando vemos já é um minuto, uma hora, um ano.
Amanhã! Tenho tempo. Qual amanhã? Há tantos amanhãs em cada um destes segundos. E já passou, já foi, nós ficámos e não fizemos nada. Espectadores do espectáculo dos segundos. Vemo-los, tais como formiga trabalhadoras, sempre atarefadas, de um lado para o outro. Vão umas, vêm outras e são todas a mesma. Há apenas uma formiga, talvez... Nós é que bebemos demais. Culpados somos nós de as contemplarmos de cima da nossa torre de altivismo, de ficarmos nauseantemente embriagados da correria delas, ao ponto e pensarmos que somos nós a correr.
É o sono. Quem nos mandou termos sono a esta hora sem horas? Correr para onde? Se querem que corramos ao menos dêem-nos um mapa!
Posso correr até ao horizonte se souber o caminho. Querem que corramos…quem quer sou eu. Na realidade tanto faz que corra ou que pare, que fale ou me mantenha apática. Tanto faz.
Não acabo esta equação. Sei a fórmula mas estaquei no -x. As incógnitas são sempre um problema! Posso-me ter enganado no início da conta, mas agora também não vou apagar, posso não conseguir voltar até aqui. Acho que compliquei demais. Quem não complica? Jogos, problemas, estratégias, mentiras, disfarces, adivinhas…
Um dia vou jogar batalha naval com um segundo qualquer e levar a sorte à falência. No dia que chegar ao horizonte, onde dormitam levemente os arco-íris e para onde todo o tempo deve correr. Devem estar lá todos. Nesse dia… tenho tempo.
Sílvie
Sobre a Beleza
Há quem diga que é fútil ligar às aparências. Eu gosto de beleza, gosto de ver coisas belas e gosto de praticar a beleza, ou seja, tentar ser o mais belo possível (notem, a diferença entre beleza e atracção). Duvido que gostar de coisas belas ou tentar ser belo, não para os outros mas sim para mim, seja uma futilidade. Ou melhor, é uma futilidade, mas assim o são todas as outras artes. Nenhuma arte é prática e nenhuma nos ensina algo de prático na vida do dia normal (se bem que pudemos fazer do nosso dia-a- -dia a arte). As artes são apenas caprichos do ser humano que se tenta elevar a um sentido para além do natural: A arte é a busca da ambrósia e do conhecimento e a beleza é a face do divino na Terra, tal como a música é a voz do divino. E tudo o que é tentativa vã do Homem de se elevar para além da sua prisão (e liberdade) carnal é efémero e fútil. Tal como a beleza se esvai, os poemas s’enlevam na passagem do tempo para desaparecer na memória dos povos, o pintor desenvolve artrose e artrite (se bem que desconfio serem a mesma e única condição) e o músico pura e simplesmente ensurdece.
Assim eu sou amante da beleza e não o tenho medo de admitir. Há pouco tempo para a apreciar e como tal confesso-o logo e em breve, quando me for a beleza e o sopro, cumprirei a minha pena. Sofro do pecado da futilidade, mas também não o sofre a Vida?
Jean-Bernard Chien
balançando.
dá-me a mão, num dia de nevoeiro na rua, ela rindo, calçada vibrando. peço a mão a uma intrigante dama de sorriso algo perfeitamente rasgado em duas metades encantadoras.
quem sempre teve por musa bonecas normalizadas de cabelos lisos, sem cara, descaradas, poder-se-ia dizer...
um passo ritmado ao pé do candeeiro, em hipnotizantes movimentos... serpenteio até ao travesseiro, usado, tresandando a ti, minhas lágrimas no conquistado travesseiro. sonhos ingratos os que tenho com a impensada musa, mais musa doutros que minha não deixando de ser musa das batidas apaixonadas do "blues" que ronrona em mim e me trabalha no estômago.
costumava passar o tempo a desenhar os contornos do despenteado cabelo liso duma boneca rabiscada que nunca teria o aspecto dalgo que saltaria do papel para me coçar a comichão, prurido, esta coisa que bichana na cabeça dum idiota. mas vá...não saltaram. rabisco bem, mas não me satisfaria um rabisco. é claro de ver.
não preciso de estimulantes... não preciso não.
quando te quiser encontrar apenas tenho de me lembrar do apetite que as tuas duas metades rasgadas que não foram por mim desenhadas e que me encantam me provoca. és curiosamente arrebatadora num veículo singelo, de sonho, uma boneca aprimorada que saltou sedenta do jogo do gato e do idiota, assim eu desejava um jogo proveitoso. neste dia vibrante, nevoeiro que torna o jogo em sensualidade. lembro-me dum sorriso que não por acaso é o teu, o sorriso que me calha bem, viciosamente, o sorriso exaltado em exaltos, a parada ribombante e marchas incertas, formigueiro. assim sangue poderia suar. tanta festividade e duvida, combinação letal que não me envenena, esgota-me. tons roxos predominam na tua presença. o roxo antitético que me arrebita, me faz centelha de Hades, algo perversamente ardente.
largo os moldes enfadonhos... delirantemente escorrego nas ondulações apertadas, os teus cabelos. enrolo um cacho no meu dedo e provo-te.
bem, bem vou interromper-me e deixar assim a minha confissão. nenhuma outra maneira de me dançar e incitar-te a dar-me a mão e a acompanhar-me no dia de sensual humidade que leve paira e colide na faísca e estaticidade que disparo em ti. de nenhuma outra, mas, assim.
Gonçalo.
23, Dezembro de 2007.
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