E já que andamos todos armados em poetas, aqui está a minha modesta contribuição:
Incómodo de andar desta maneira,
Onde as curvas necessárias nauseiam.
Querer dividir o que não é divisível
Enquanto a energia e a vontade escasseiam.
Que desorganização!
Querer ter sempre terra debaixo dos pés,
Mesmo quando voo na frustração,
De saber-me incapaz de controlar tudo!
Mania do equilíbrio e das “justiças”!
Poder ser desequilibrada por um dia…
Reprimir a solidariedade que prenuncia
A quebra do “eu” que me quebra…
E tudo segue na paz dos anjos…
Que nunca quebram as asas.
E nos negam a omnipresença
De ser duas tábuas rasas…
Silvie
Cansado.
Cansado, meu amigo, sinto-me... Sim, cansado.
É noite – tarde, muito tarde. Sento-me à secretária e escrevo-te esta carta. Não oiço nada, a não ser o som da ponta da pena (com a qual te escrevo) a raspar nesta folha de papel velho (na qual te escrevo). Cada traço, a cada movimento da minha mão, se ilumina numa letra preta que, com outras, formam as palavras que te dirijo. E assim, as minhas palavras ressuscitam. Ressuscitam porque da minha mente nascem, no meu corpo adormecem, nas minhas acções morrem e somente nesta carta renascem.
Consigo sentir o arder da lenha na lareira que acendi há momentos, mas não sinto o calor humano do fogo, só o arder. Sinto-o porque o observo: as chamas seduzem os pequenos troncos de madeira (nenhum escapa), acariciando-os com tentações ardentes, chamando-os para o pecado final. Afinal, qual é o mal de pecar? É humano. E neste exacto instante, a lareira que se encontra a indefinidos metros de mim, o seu fogo, as suas chamas, os pequenos troncos (os pecadores!), todos eles são mais humanos do que eu! São mais humanos porque se amam uns aos outros de forma louca e espontânea, como se não houvesse amanhã, como se fosse o curso natural da vida: a lareira tem de amar o fogo que a invade; o fogo tem de sentir as chamas que o devoram; as chamas têm de penetrar os troncos que as atraem e os troncos... Os troncos, coitados e impotentes, têm de se entregar à explosão temperamental das chamas. Mas então, e eu? Quem devo eu amar se não tenho quem me invada? Quem devo eu sentir se ninguém me devora? O que posso penetrar se não há quem me atraie? Só me resta ser coitado e impotente, mas nem isso posso ser – ninguém “explode” à minha frente...
Como podes ver, meu caro amigo, ando mesmo cansado. Velho e cansado como esta cadeira na qual me sento, cansada e velha. Porém, isso pouco importa. Não é de lareiras nem de chamas nem de cadeiras que te quero falar, isso são desvaneios deste teu ingénuo camarada.
Escrevo-te hoje porque te quero falar de personagens. Pois é... Dei por mim a lembrar-me do passado e dos tempos em que tu e eu juntos, sempre juntos, tentávamos descobrir o que havia para além daquele horizonte que nos desafiava. Mesmo assim, o que me traz mais saudades é a maneira peculiar como tu, só tu, conseguiste ter essa ideia naquela tarde de Verão. Sentámo-nos no monte, sentimos a brisa a beijar o nosso cabelo, as ervas a saborearem o leve toque das nossas mãos, o cheiro do sol a bater-nos na cara e, constantemente, continuamente, mirávamos e nunca tirávamos os nossos olhos daquele horizonte que nunca, mas mesmo nunca nos deixava de desafiar. E, com um simples movimento do vento, surgiu em ti um desejo de ser diferente. Recordo-me das tuas irreverentes palavras “Quero ser outro. Vamo-nos incorporar em mil e uma personagens! Vamos?”. Mil e uma, dizias tu, mil e uma... E a partir desse dia, em cada novo dia, a cada dia novo, éramos uma personagem nova! E sim, conseguimos sentir tudo. Querias entender a complexidade deste mundo, querias captar a diversidade disto tudo e conseguiste. Conseguimos. Pudemos experimentar novas sensações e saber o significado de cada momento e de cada coisa e de cada acção. Tudo simplesmente porque quiseste interpretar o que te rodeava: quiseste conhecer o porquê de chorar quando se está triste; o porquê de ter fome quando não se come; o porquê de dormir quando se tem sono; o porquê de pedir esmola quando se é pobre; o porquê de desprezar quando se é rico; o porquê de ser infiel quando não se é amado; o porquê de roubar quando se está desesperado; o porquê de gritar quando se está zangado; o porquê de beijar quando se está apaixonado; o porquê de rir quando nos sentimos felizes; o porquê de amar quando se sabe que se sofre... Porquês, porquês e porquês...
Lembras-te? Ainda te lembras? Han? O quê? Sim, consigo imaginar-te a responderes-me com aquele teu ar muito sério “Lembrar? Lembrar-me do quê? Eu cá não me lembro de nada!” e, logo de seguida, a desmanchares-te a rir (e eu contigo, sempre contigo!), dizendo que nunca, jamais!, te irias esquecer...
Mentiste, meu sacana. Fugiste, foste-te embora. Morreste. Erro meu. Interpretei aquilo que não devia ter interpretado. Incorporei-me naquilo que não devia ter incorporado. Personagem errada. Quer a minha, quer a tua. Tu, um homem. Mas eu, sem querer, uma mulher. Se não te tivesses mascarado nesse homem, eu não me teria mascarado nesta “mulher” que, afinal, é um homem. EU sou um homem. Mas quando quis experimentar ser mulher, descuidei-me e tornei-me naquilo que, definitivamente, não me devia ter tornado. Erro meu. Grande erro meu. Seguramente, personagem errada. Não quis, mas apaixonei-me. Por ti. Esta mulher (ou homem?) apaixonou-se por ti. E por gostar tanto de ti, tu abandonaste-me. Deixaste-me sozinho a amar-te. Este amor corrompou o teu coração, nunca pensaste poder amar-te tanto a ti próprio, pois não? Eu gosto tanto de ti... Desculpa, enganei-me, TU gostas tanto de ti que ficaste cego, incapacitado de amar outrém. Ficaste tão obcecado contigo próprio que nada mais podias ver à frente. Tornámo-nos egoístas e rancorosos. O nosso coração gelou e pouco podíamos fazer. Acabaste por morrer. Aquele tu que eu conhecia deixou de existir. Ficámos um poço de melancolias.
Tudo porque tu te amas. Ou eu me amo. Ou tu me amas e eu te amo. Não interessa porque, na verdade, eu sou tu e tu és eu. Nesta carta que escrevo, quando me dirijo a ti, dirijo-me a mim porque tu és eu e eu sou tu. Afinal, escrevo-me a mim próprio. Eu sou uma personagem que tu criaste para te acompanhar a criar outras personagens, mas na verdade, somos um só. E quando tu criaste o homem, eu criei a mulher. Apaixonámo-nos e destruímo-nos. Ironicamente, amaste-te até não teres mais forças. E por isso, estás cansado. Eu estou cansado. Estamos... Cansados. Haha...
A viagem acabou, meu companheiro... Não há mais que procurar,não há mais que sentir. No fim, nem tu nem eu descobrimos a verdade de nós próprios. Aquilo pelo qual mais ansiávamos nunca acabou por se revelar. Nunca chegámos a conhecer a nossa verdadeira forma, a nossa verdadeira alma. Por isso, chamas-te Desconhecido.
Adeus. Descansemos, que foi tudo demasiado longo.
Jean-Mathieu Cardoso
hoje é tão véspera de amanhã que já salta à vista o meu contentamento de sábado à tarde...
vamos por partes: Domingo é mau, Segunda é do piorio.
começo por Domingo. Domingo traz-me sensações desagradáveis. seja qual for a manhã de Domingo em que acorde está sempre um sol radiante, algo fluorescente que me faz semicerrar os olhos. nem que esteja nublado, chova, troveje está lá o intrépido raio de sol que curiosamente faz com que o sítio que ilumina pareça um trecho dum qualquer filme épico, do género távola redonda/ excalibur. as paredes brancas fervem com a alegria condensada de Domingo e desespero com a preguiça e moleza das tardes de Domingo em que sempre passam filmes de princesas e animais que falam...
aos Domingos acordo sempre sem vontade de comer, praguejo com a televisão e arrasto os pés o que provoca um barulho irritante por causa dos chinelos. havendo sempre o comentário: "está mal disposto por causa que...qualquer coisa" que nunca lhes direi, porque é Domingo e Domingo explica tudo porque é um dia em que não me sinto capaz de articular sem ser ordinário. Domingo é dia perfeitamente imperfeito para enumerar os meus desgostos. por isso hoje é sábado de tarde, véspera de humor inqualificável.
já agora falemos da nostalgia que Domingo me provoca...será porque os dias brilhantes não combinam com vontade de aprisionamento domiciliário?... eu confesso que sou fotofóbico ou sensivel à luz, e sabe-me bem correr a cortina e fechar até metade o "estore"/"persiana" e suspirar de tão nostálgico até suspirar por ficar irritado com tanto suspiro e "tónhice".
as segundas-feiras fazem-me mal porque são a continuação dos Domingos mas sem o tal sol. no entanto afectam-me igualmente...e também porque não é uma boa maneira de começar a semana. uma boa maneira de começar a semana era do género, chegarmos ao final do dia de Domingo e, de seguida haver um dia não identificado no calendário em que toda a gente ia à sua vida e assim teria eu e quem mais concordar que Domingo é desgastante poderia(mos) desanuviar.
dias úteis precisam-se, fora os das férias.
Gonçalo Julião.
22 Dezembro, 2007.
Os primeiros ventos frios do Inverno,
Aqueles que nos causam os primeiros arrepios
Para depois vestir aquele casaco,
Que apesar de já estar velhinho, ainda me aquece
Como aquecia no primeiro dia…
Adoro,
Estar à janela e ver a chuva a cair,
Ouvir o som que ela faz ao cair,
E senti-la no meu rosto…
Adoro,
Ver as folhas a dançarem nas árvores
Quando o vento lhes toca…
Adoro,
Ver os primeiros flocos de neve a cair,
É tão lindo de se ver…
E então,
Quando as ruas ficam cobertas de neve,
Sei que posso ir lá para fora, brincar…
Adoro isso e tudo mais…
Mas podem-me tirar tudo!
Os primeiros ventos frios do Inverno,
O meu casaco já velhinho,
A chuva no meu rosto,
Os primeiros flocos de neve a caírem,
E as brincadeiras de criança na neve,
Mas não me podem tirar as lembranças
E as memórias,
Que guardei no meu coração!
Mas se tudo me tirarem,
Então irei olhar para ti
E não irei chorar,
Porque apenas e só de olhar para ti
O meu coração
Confortado irá ficar,
Pois eu adoro-te…
Adoro-te,
Mais do que a tudo
Porque mesmo que me tirem tudo,
Irei ter o meu coração,
Onde guardo tudo…
Mas se tirarem-te de mim,
Ficarei sem nada,
Sem lembranças, ou memórias
Pois tiraram-me o coração…
Este poema foi escrito por uma amiga minha... Como gosto muito do texto e ela autorizou que eu o publicasse decidi incluí-lo no blog... Espero que gostem =)
É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
Eugénio de Andrade
Um pequeno exercicio... Com uma breve menção à Sílvia (olha-me este, fingindo que é poeta!)
Nunca vi um gato ser condenado,
Nem por si nem por nenhum outro gato,
Pois nunca foi crime comer um rato,
Nem castigo para tal ordenado.
Mas alguma vez alguém sequer viu
Gato atormentado pela ética?
Verdade é o rumo que seguiu…
Não seguir, já é justiça poética.
Bernard Chien
decidi por uma vez desistir. decidi não querer saber e ir em frente.
decidi por duas vezes retomar o costume de cantar ao acordar, sendo que cantaria toda a noite devido a insómnias assombradoras.
prometi-me tanta coisa e prometi-me não me prometer mais nada...
deixem-me sozinho a pensar ou sossegar dois três momentos e estarei capaz de retomar a vida que arrasto, suando... mas sem saber como, arrasto mais alguém com as merdices que me somam e sobrecarregam...
mas vá, o que tinha ficado mesmo decidido era: seguir em frente, risos sem motivo para rir são permitidos. o que se decide agora é: faz a tua vida e quem te poder abraçar que não te largue.
mas para a amanhã, segundo o calendário, vai ser decidido: não tentes parecer, sê. mas vai ser alterado para a decisão não menos ponderável: não tentes deixar de ser, deixa duma vez.
no entanto estou a escrever algo sem muita importância mas sem uma vontade de escrever significativa, nem o tema é tão interessante quanto desejava, por isso sai frouxo e seco...enfim se este texto fosse um cão...
Gonçalo Julião. dois meses e dois dias.
Há muito que estar nesta casa me incomoda
Inquieta-me. Entristece-me.
Sei lá (depende do dia)!
Mas tudo começa quando penso.
No que sou. No que fui.
-
Há dias em que se nota mais
Que já não sou quem era
E umas vezes isso deixa-me
Transtornado,
Irritante.
Outras apenas
Sensível,
Pensativo,
Triste.
-
Há momentos em que me apetece
Acabar com tudo: Eu, o mundo, Tu!
Tu, que és uma espada de dois gumes
Posicionada entre mim e as outras.
-
As outras, porque involuntária e conscientemente
As impedes de chegar até mim,
De me interessar, entusiasmar-me.
A mim, porque estás no meio
E no centro de tudo, para o bem e para o mal.
-
Tudo em mim passa por Ti
Os melhores e os piores momentos da minha vida
Estão relacionados contigo.
E tu suspensa no ar, como se não tivesses
Nada a ver com isso (nem queres ter!)
-
Não precisas que te suportem,
Que te manuseiem,
Que te direccionem
És autosuficiente! És?! Não...
Achas que és!
-
Deus! Como esta casa me incomoda!
Deus?! Qual Deus? Deus não existe.
Ou pelo menos não gosta de mim.
Ninguém gosta de mim...
-
A casa continua aqui
Pedra sobre Pedra
E as Pedras não sentem
Não se emocionam
Não se alegram com o teu sorriso.
-
Por isso, Quem mudou não foi a casa
Porque a casa é matéria:
Tijolo, cimento, tinta.
Quem mudou não foi a casa
Ela permanece intacta
Dolorosamente igual.
-
Eu é que já não sou feliz...
Liana Rodriguez, 13/12/07.
estou em paz com o que deixei para trás
sim, esperando um destino que se foi arrastando num atraso, numa ansiedade,
mergulhei ali, quando enfim chegou e me tocou nas feridas,
um espaço acutilante em que era gentilmente punido e atempadamente apaziguado.
a oferenda dos meus bons e gozados pecados libertinos foi a corrente que me fez pairar sobre a liberdade que nem filosoficamente senti.
fui nascendo num retrato cubista em que a liberdade se encontrava nos contornos.
existiu em nós
e fui morrendo fora da redoma que ao se partir me atirou perto deste fim, e sofri até que a caridade do destino me acolheu finalmente.
a alma canta na travessia.
no destino que me encontrou, corro,
corro, com o tempo que já não passa,
perco-me, mostro-me desconhecedor das maravilhas
que assombram os meus olhos,
ignorando o tempo que se esquece comigo ao longo do caminho.
se visões me atraiçoam, numa corrida circular de sombras
em que a matéria é engolida na irís,
no toque das àrvores dilaceradas, anãs e aguçadas me apaixonei
pelas sensações surreais, disformes e sensíveis,
e no caminho xadrez sou rei e a minha rainha já morreu,
fui vivente num trapézio,
contornos marcantes, finas linhas,
familiar de vozes virgens,
numa piada da qual fugi, da qual padeci.
parei, sem droga que me coma a dor,
preso na cortina de chuva pesada mutante das monções,
e de olhos fechados ainda ouvia graciosas vozes, forçadas em virgindade, os aplausos estalando da plateia, nas paredes da redoma,
que vêm abençoar o meu julgamento.
imaginário, salto para as mãos que me embalam, moldam e esganam.
sabia que reviveria, e que aquele momento foi um doce, um chamariz,
e chegado ao fim da linha, no trapézio em que vivo,
fui asfixiado, na fina dor, pendurado, pairando,
como castigo pela marioneta que me deixei ser.
Gonçalo Julião há algum tempo...
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