Senão mais uma acção!
Mas nem uma nem mil
Ela me dirigiu
Enquanto me levou
E roubou o coração...
E o que me restou,
Do que ela roubou?
Levai o rio, onde
Ela me viu...
Sibilai-lhe o vento
Qu’eu já nada sou!
Quando eu morrer,
Seja de Velhice, Doença
Acidente ou Assassínio,
Dividam meu corpo em dois
E coloquem-me em cada margem do rio.
Ao ver-me aqui, do lado de cá,
Sei perfeitamente mas incomoda-me,
Como incomodaria a uma criança,
Saber que não posso estar do lado de lá.
Não posso, efectivamente, estar em dois sítios
Simultaneamente.
Não posso saborear o mesmo vento, a mesma água e o mesmo Sol
Em margens diferentes.
(Mas é o mesmo vento e a mesma água e o mesmo Sol!)
E não posso fazer tanto e ser tanto ao mesmo tempo:
Não há meio termo, tal como não há meia margem…
Foi por um capricho sádico que Deus
(Ou qualquer outra dessas criaturas fora do domínio humano)
Separou as margens simbióticas:
Para cá há sempre um lá,
Para cada luz há uma sombra
E para ser verdadeiramente a margem direita,
Ela tem que ter uma margem esquerda.
De quem é o senhor, se não tiver servo?
Metade Incompleta do Ser, o senhor é o servo do seu servo.
Assim sei que para a minha margem, há uma Outra que eu não vejo,
Mas sinto.
Sinto que onde a minha margem acaba, inicia-se Outra,
Necessariamente um outro Eu,
Tal como eu sou necessariamente a Outra Margem.
Onde eu sou senhor do meu servo e servo de meu senhor.
Mas esta Outra eu não conheço, tal como não me conheço,
Pois é uma margem longínqua. Distante. Escondida entre a bruma.
Como tal, quando eu morrer,
E o meu corpo deixar de responder a estímulos carnais
E a minha mente não mais se apoquentar de margens e rios,
Aí, quando eu parar de ser e não mais me modificar,
Dividam o meu corpo em dois.
Coloquem-me em cada margem do rio
E aí serei tudo e estarei em tudo,
Serei a margem direita e a margem esquerda,
Simultânea e eternamente.
David João
As pedras são pedras. Ainda que diferentes no aspecto, serão sempre iguais mecanicamente. Não pensam, não sentem e nada distingue as personalidades umas das outras. Elas não têm personalidade! E está tudo bem.
Talvez devêssemos experimentar com as pessoas. Parar de as rotular, tentar previsibilidades, desiludirmo-nos com as mudanças matemáticas.
Como caracterizar a menina que aceita uma viagem a Veneza em troca de um jogo na roleta russa? Ou o menino que, em troca de nada, decide arriscar na montanha russa que pode ou não estar partida ao meio? Sem antecedentes: vida pacífica, talvez felizes, remediados monetariamente, sem tentativas de suicídio ou sequer depressões, medianamente sociais, alegres, alunos bastante razoáveis ou até bons, sem problemas familiares incomuns, relações afectivas estáveis…
Pode-se dizer que tem uma vida normal… então o que os desligaria dela num ápice? Um momento de adrenalina por uma vida equilibrada e satisfatória?
Impossível. Sem antecedentes de consumo de drogas ou sequer, inocentes desportos radicais…ninguém começa tão por cima…
O pai de Catarina caça todos os Verões. Catarina sempre sonhou, fantasiou desde a mais tenra e pura infância com aquelas armas de que não se podia aproximar, que estavam tão longe e tão perto, que traziam petiscos para casa e histórias de florestas que apenas podia frustradamente imaginar. Não poderia desperdiçar aquela oportunidade. A morte não se sente e, a vida que adorava, não tinha meio de lhe fazer falta. Os mortos são pedras.
Porque é que alguém haveria de saber os secretos sonhos da menina? Não sabem. Psicólogo, rótulo de depressiva, inconstante, talvez dupla personalidade.
Sorriso complacente. Porque haveria de confessar?...um segredo de que não se tem pudor… intimamente seu. Viagem a Veneza no mês que vem…
Alexandre, bem… montanha russa partida (já repararam que tudo o que é fatalmente perigoso tem a palavra russa?). Razões? Porque haveria de ter razões? Porque haveria de pensar quando, por vezes, as pernas cumprem tão deliciosamente bem a sua função sem passar totalmente pela intelectualização? Os corpos não são pedras… mas este agora é…
Ganho? Orgasmo mórbido comprovado. Sadismo? Depende da definição. E não, porque haveria de ter precedentes?... Provavelmente nem saberia: leigo em reacções biológicas…
Porque haveriam de ter as acções deles, alguma coisa a ver com as respectivas personalidades? E…se não houver personalidade? Nada é fixo! No fundo, somos apenas…pedras…
Sílvia Marôco
Os pensamentos de um ateu, improviso....
Sem Corpo, Sem Mente
Não há nada em que acreditar. Não há conforto neste mundo e a primeira regra que necessitas de saber, meu filho, é que o mundo gira sobre o seu eixo, independente de ti. Não há nada que irás fazer que não esteja escrito. O destino não existe e tal como a realidade é relativa desde o momento passado. Mas mesmo na sua inexistência, está escrito (e será escrito) tu não és. Aceita.
Eu morro porque sei que morro. Apenas definho porque perdi-me por um figmento da minha imaginação. Prendi-me apenas por mim. Não há nada aqui. Não há quem me proteja de mim mesmo e como tal fujo-me num tempo indefinido encerrado dentro de eu próprio. A eterna questão do ego, o raciocínio fracturado da louca espontaneidade. A loucura é a esperança dos pobres e a raiva é o sonho dos privilegiados e assim deixa que a tua raiva te consuma meu filho, tal como a minha me consumiu. E eu não irei renascer das cinzas da minha ingratidão.
Deus não existe. A justiça não existe. O amor não existe. Apenas acredita que nada és e nada sabes. Um dia irás morrer e o mundo não irá notar. Vais ser pó e vais ser esquecido e quando tudo findar, tu não és ninguém. Nunca foste nem nunca serás.
David João
Ela bateu três vezes à porta. E foi-se embora, sem nada saber.
Há dias em que se chora, há dias em que se ri, há dias em que se aprende. E há dias que são uma mistura de tudo isso. Como esse dia.
Ele ficou aborrecido… Ela já devia saber que não precisava de bater à porta. Sim, ela devia saber. Mas e se não soubesse? Não… Ela já devia ter percebido. E chorou, confuso e indeciso. Perdido.
Na verdade, ela não sabia. Nem sonhava! Desejava não ter que bater à porta, porém julgava a realidade desse desejo relativamente inverosímil. Pensava que nunca teria hipóteses, que bateria sempre… Sempre.
Ele não conseguia dizer-lhe. Estava ciente de que iria arrepender-se, se o fizesse. Era um estúpido. Inexoravelmente idiota. Mas simplesmente não conseguia, aquela frase ficava-lhe presa na garganta. Era uma janela por abrir.
Era uma aproximação adiada, julgada impossível. Ela não conseguia aproximar-se por receio. E não se aproximava. Ele não conseguia falar por receio. E não falava.
Mas nesse dia, tudo foi diferente.
Ele foi ter com ela. E disse o que tinha a dizer. E ela ouviu.
Um sorriso.
Ele dissera finalmente: “Gosto de ti”. E ela ficou a saber aquilo que há tanto tempo queria ouvir.
Nesse dia, ele aprendeu que há janelas por abrir, e há que abri-las, sem reservas nem receios. E ela aprendeu que não é preciso bater à porta. Porque quando alguém nos abre uma janela, quando somos desejados, a porta está sempre aberta.
Inês Rocha
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