Parece o tempo a apagar as palavras escritas, sentidas e ditas. Parece que é vento que sopra sobre a folha escrita, dissipa as letras escritas de areia, dissolve os sentidos e as emoções. Mas apenas parece. Apenas porque deixamos que o pó se acumule sobre os livros que já não folheamos, porque deixamos que se escondam por entre milhares de outros sentidos aqueles que mais nos tocam.
Ainda me lembro da textura da tua pele, do calor da tua mão quando tocava a minha. Ainda sinto na boca o gosto da tua língua que me penetrava. Ainda me arrepia o corpo quando me recordo de como me mordias o lábio no final de um beijo prolongado. Depois, o olhar de criança fixado no verde dos meus olhos, a delicadeza com que pronunciavas cada palavra, a suavidade da tua imagem que se propaga para alem da escuridão. Depois, o palpitar do teu coração, junto ao meu peito quando repentinamente te abraço, te beijo.
Não há como esquecer o que sempre esteve presente, não há tempo que apague ou vento que trespasse a intensidade dum sentimento. Há apenas o entendimento, desta forma transcendental de amar, ambígua quiçá, mas tão real como outra qualquer. Este livro, cheio de palavras, enrola-se como pergaminho, nos sentidos despertos atrás no tempo, abraça-se como fogo à lenha seca, como água ao corpo despido que mergulha no oceano.
Há tempo, muito tempo para forçar as tangentes, permitir que as barreiras cedam e se invadam os mundos com a perfusão das essências que são as nossas. Há tempo para deter o curso do mesmo, suspender a inspiração, o bater do coração.
Daniela Freitas
“Textos… Pedem-me textos! Se querem textos, eles que escrevam!”
Frase típica de alguém frustrado que não encontra inspiração nem jeito nem sequer paciência para escrever.
Sim, alguém que procura aquela luzinha que não encontra.
Não, não é alguém que escreve com facilidade. Ou então escreve, mas as linhas da folha estão sempre tortas ou as letras saem distorcidas: “Porcaria de material! Querem que eu escreva, mas não fornecem material de jeito! Porcaria!”. Não, a culpa nunca é do autor (escritor, se quiserem).
Sim, considera-se uma pessoa calma, elegante, culta, mas relativamente angustiada: não escreve há, digamos que, tempo suficiente para que a conta bancária seja ligeiramente afectada.
“Porque raio escolhi ser escritora? Podia ter ido para o Jet7, mas não! Oh, bela da Literatura! Ui, é uma festa! Escritora! Por amor d’Algo Divino, Zélia! Oh, Zélia, porque foste escolher ser escritora?”
Já se encontra em histeria extrema, angústia até não poder mais.
Olha para o relógio. Tic, tac, tic, tac… TIC, TAC!
“Cala-te!”. Frustração até ao ponto que atira o telemóvel contra o relógio, partindo não só ambos os objectos, mas também o dedo mindinho da sua mão esquerda porque entretanto, no movimento brusco do lançamento a seis metros, bateu com ela na mesa e, podemos afirmar que com bastante força.
“Argh! Credo! O meu telemóvel! Isso, Zélia, parte tudo que é para ver se não chegas à tua conta bancária com uma vassoura para varrer o dinheirinho todo que te resta, com o propósito de pagar à pessoa que te vai arranjar o mobile e, já agora, de comprar um novo relógio… Preciso de ir às compras”. Mas, e o dedo? Qual dedo, qual quê! O que interessa são os seus bens pessoais e materiais…
“Hum… Sinto uma certa dor no meu dedo mindinho… Espera, deixa cá ver… AU! Pronto, perfeito! Lindo, extravagante! Beautiful! Estou com o dedo partidinho! Beleza! Era só o que faltava! Como é que eu vou escrever agora? Não dá! Assim não dá! Recuso-me a trabalhar nestas condições! RE-CU-SO-ME!”. É de realçar que a jovem mulher escreve com a mão direita, não com a mão esquerda; é destra, não canhota. Não escreve com a mão esquerda, escreve com a mão direita. Escreve com a mão DIREITA, não com a esquerda. Por exemplo, escrever com a mão direita é quando não se escreve com a esquerda. Percebem, certo? D-I-R-E-I-T-A. Mão direita, exactamente... Percebem.
“Ai, cruzes credo! Estou cansadérrima de pensar no que escrever… Tenho de ir à manicure, lá, para além das unhas, também devem arranjar ossinhos partidos… Depois tenho de ir ao Colombo a ver se encontro o novo modelo da Casio, aquele relógio é lindérrimo!”. Então, e o livro que tem ser editado para a semana? O prazo da entrega do texto é depois de amanhã…
“Bem, quanto ao livro, copia-se um excerto do livro que lancei há uma semana atrás, mais um bocadinho daquele meu livro que é uma pseudo-cópia do outro livro que editei há umas semanas que, por sua vez, também tem passagens do meu outro livro de há uns meses atrás. Sim, penso que são livros suficientes para escrever aquele que vou editar para a semana. Trabalho feito!”
O que aconteceu à Literatura Genuína?
É caso para dizer que quem escreve por escrever, que se dedique a outra coisa!
Quando se escreve, tem de ser por gosto, por paixão. É através das palavras que se sente o verdadeiro trabalho, que se revela o verdadeiro sentimento. Não escrevam simplesmente porque é preciso ou porque vos pedem. Escrevam porque gostam.
Nada há mais bonito e mais simples do que Literatura Verdadeira, Genuína e Sentida, mesmo que sejamos pequenos escritores ou que nem isso sejamos considerados.
Continuemos a dar asas à nossa imaginação, aos nossos sentimentos e às nossas palavras… Escrevam, my friends, sempre que vos apeteça…
D-Furikuri =)
Estava tão desesperado!
Não sabia por onde ir, por isso perguntei e implorei por ajuda!
As curandeiras mandaram-me buscar novos horizontes, as bruxas que faziam círculo em meu torno viraram-me do avesso e as fadas aconselharam-me a acreditar na verdade…!
Logo percebi que a verdade não existia e não aceitei a mentira das fadas-de-breu. Às bruxas, cortei as goelas. Mas respondi às curandeiras com o meu alto canto desesperado, que guinchava ao criador oculto daquelas serras que me enclausuravam numa cordilheira circular.
Com tal grito… assim… desfiz as serras em mar; água-doce; cristal.
Atirei-me ao caos interior e vomitei as angústias.
Encontrei o que queria. Numa viagem ao núcleo criador de tudo, ainda se vê a boca roxa de sufoco, os pulmões ulcerados em crosta de não respirar e o coração carbonizado por um ardor.
Ali fui Apocalipse, Génesis, criador e destruidor.
Foi então que cai.
Mar, água-doce e cristal, agora sou imenso e solto, limpo, apreciado.
Abril, 2006.
Gonçalo Julião
Ardem-me os olhos no fumo da incerteza. Sinto-me pirética. Voam à minha volta objectos desordenados como num rito satânico. O caos. Rodopio num furacão de imagens que os meus olhos não conseguem fixar. E, no entanto, quem me dera alcançar apenas uma que fosse.
Dói-me a cabeça! Ando de um lado para o outro, hereditariamente. Revejo o meu pai como um general, um reaccionário de mãos atrás das costas, andando para a frente e para trás, uma e outra vez, passeando os meus olhos vagos, difusos, confusos e indecisos. Porque o relembro agora?
Estou dentro de um carro, de um insuportável branco, irrespirável e abafado com sabor a Purgatório. Como vim aqui parar? Não percebo. Sinto-me claustrofóbica dentro destas quatro paredes sem cor que se fecham sobre mim docemente. Mas… quais paredes se estou num carro? Não percebo!
Estou zonza, deliro. Estou de ressaca de um alcóol que não bebi e sinto ainda nos lábios, que me corre nas veias frenético e seguro, rasgando-me a pele que me explode contra as paredes pálidas deste sítio ao ae livre. Onde estou? Ah, se eu soubessse! …
Estou no carro, sempre estive. Está nevoeiro e um trânsito descomunal, em frente à ponte. Como eu queria passar aquela ponte! Estar do outro lado daquela ponte sem asas. Quem me dera estar lá, do outro lado, perto das pessoas que detesto. Que mania de me tornar naquilo que detesto! Na realidade detesto todas as pessoas. Pelo menos, aquelas que tenham olhos, nariz, boca, corpo, sangue.
Só queria passar aquela ponte! Não percebo este trânsito infernal. Não percebo, não percebo! Se o percebesse poderia… se soubesse quando acabaria , porque está aqui, neste dia de Verão assolapado poderia, sei lá, voltar mais tarde, ir por outro caminho, ajudar no que fosse preciso, desde que esta maldita fila andasse!
Três e meia da tarde, estou atrasada. Que indecisão voraz! Volto para trás, procuro outro caminho? Não posso! Engulo um grito desgarrado que faísca, forte, na garganta. Tenho o corpo dormente, a cabeça a explodir. Os meus olhos começam a ceder à gravidade, exaustos, febris. A ponte – murmuro num último delírio – não percebo…
Sílvia Marôco
Uma vez mergulhei no espaço
E cantei a brisa
Agora o meu destino é correr e correr
Como se perdido estivesse.
O tempo corrido passou depressa e desconhecido
Enquanto corria e corria
Por entre arvores ocas e enganadora visão.
Deixei-me arrastar pela luz incógnita
Como se do meu destino se tratasse.
Parei de correr.
Intensa vinha a água pesada.
Fecham-se os olhos
Desejando que a chuva me aplaudisse
Abençoasse e levasse.
Dum fôlego saltei e sentei-me nas suas mãos de embalar
E guiei-me pela jubilosa, serena, pura voz.
Sou o cavaleiro assente no vento.
Cavalgo para beijar-te.
Renasce subindo.
Beijar-te no momento em que cais.
Encontra-me manhã de lábios carnudos.
Renasce subindo.
Os teus campos continuam ligados
À luz que guias
Vestida em ausência de escuridão.
Renasce subindo.
Então jovem e esbelta criatura
Ao teu espartilho de Natureza,
O teu campo ligado à luz que vais guiando,
Regressarei à terra onde te tenho beijado.
Subindo renasces.
Sou o cavaleiro assente no vento
E na brisa que vem do Sul,
Cavalgo para te beijar.
Gonçalo Julião 22.04.07
Somos flores de um enorme jardim que o professor ajudou a cultivar ao abençoar-nos com as suas mãos fertilizantes.
Regou-nos com letras e palavras e, com o seu significado, fez crescer as sementes da nossa cultura.
Embalou-nos com a sua voz de lua prateada, cheia de orvalho e mar e terra molhada.
E, cultivados no rosto com um sorriso de flor e um olhar de mar, inundou-nos da calma que emana da sua presença.
Deu-nos as ferramentas do saber, completando os nossos vazios com a sua sapiência e transportando cada novidade com inocência no olhar, como uma criança. Consigo, voámos nos moinhos da imaginação.
Viu-nos crescer e, tal como a de D. Quixote, a nossa aventura não acaba aqui, porque após um caminho há sempre um outro a seguir, onde esperamos voltar a encontrá-lo.
Não sei bem por onde começar. Como tanta coisa, no escrever o mais difícil é mesmo o ínicio, encontrar uma forma de arranque, espontânea e sincera que me permita atravessar a barreira da subjectividade humana - isto é, chegar à universalização da experiência de cada um - para conseguir aceder ao mais profundo. Àquela matéria que não é o corpo mas sim a composição, o átomo interior que é impregnado de si mesmo, vive-se a si mesmo, mobiliza-se, dispersa-se, deambula por si mesmo e, no entanto, realiza-o num movimento consciente e uníssono com todos os outros átomos - um interseccionismo completo, onde cada individualidade espontânea permanece e reluz, reflectida e ampliada pela sua conjugação com tantas outras e únicas metades que há em todos nós, que partilhamos e escondemos dos outros e que afirmam que a soma não é maior que as partes, tal como as partes não são mais que o total: cada qual é uma parte inata e intrínseca. Essencial, eterna e no entanto, mutável, em constante renovação e mudança, de acordo com a pessoa.
É nesta minha preocupação de descrever e aceder à nossa essência comum e exclusiva que procuro comunicar e relatar, numa narrativa ritmada prenha de um naturalismo puro e descontraído. Atendo já que qualquer perversão da palavra que aqui uso é intencional - uso a palavra como a quero, não como é - porque a palavra é a essência: um bom escritor tem que ter uma consciencialização das palavras que usa, escolhendo-as de uma prateleira primordial para as depois polir e empregar como os símbolos universais que representam, mas sem deixar de as quebrar e impor a sua vontade sobre elas. É esse o trabalho de um mago: não invocar forças, mas domá-las e usar o seu poder cósmico e universal. Para tal e como tal, toda a corrupção da palavra que eu realizo, toda a descrição minuciosamente minimalista, certifica-se que cada palavra não é nem demasiado vaga nem extremamente descritiva: a palavra toma o sentido, como um tecido toma a forma do objecto que cobre e torna-se única e exclusivamente aquele sentido: A palavra é o sentido.
Dito isto, começo como deve começar toda a história: no começo.
David João
. 091009
. Tempo
. K.O.ALA
. (...)
. Onanismo
. Sinos tocam no horizonte ...
. Origem
. Onanismo
. Reflexos... pensamentos, ...
. Descrições de Uma Planaçã...
. A Título