Não vale a pena contar a minha história. Ela é igual a tantas outras. É sobre um rapaz que um dia, um certo destinado dia, s’apaixonou e nunca mais viveu sossegado. A história de um rapaz que nunca quis mal a ninguém, mas acabou por magoar a todos os que lhe eram queridos. Uma história de erros e enganos e de alguém que acabou por não perceber o milagre da vida. Como tantas outras histórias.
Poiso a toalha e a tesoura no lavatório e olho-me para o espelho. Às vezes, certas vezes, eu vejo um brilhozinho nos meus olhos, uma aparição fugida, como vejo muitas vezes em tantos outros. Será a alma? Eu já não me acho capaz de conter uma alma. Estou tão vazio de tudo e tão cheio de nada. Não. Não é a minha alma. Coloco a tesoura entre as minhas mãos. Ela reluz como os meus olhos. Até esta tesoura tem mais alma que eu. Agarro uns fios do meu cabelo e começo a cortá-lo até ter um penteado curto e desalinhado. Olho de novo para a tesoura que me devolve o olhar cortante numa frieza calma. A tesoura não tem alma, mas contudo sabe o seu triste propósito.
Deixo cair o meu corpo pesarosamente na água. Sabe bem senti-la depois, agressivamente, tentar repor o lugar que lhe tiraram mas de nada serve. Ela é como eu.
A minha história é sobre um rapaz que tentou controlar tudo e tentou nunca ser feliz pois a felicidade levam a desilusões e desenganos. Mas um dia, um certo dia, fui feliz. E então nunca mais tive sossego. E é verdade: eu nunca quis magoar ninguém. Só queria passar ao lado. Não me envolver. Não causar nada. Simplesmente deixar os outros viverem sem os incomodar para não me incomodarem. Até que me envolvi. Envolvi-me porque, fui mais fraco que o costume, e por um momento, fui tentado a ser feliz, a ser alguém. E fui feliz, fui alguém. Durante um dia. E vejam aonde isso me conduziu. Dia após dia, são páginas electrónicas recheadas de pornografia que vaza a alma e me deixam sujo e obsceno. Dia após dia é a mesma sensação de pânico. Dia após dia é a consciência de que eu não tenho futuro. Pois, se há um que encontra e é feliz, há outros mil como eu que nada terão e são ordinários e comuns eternamente. Pois se há um que encontra sentido, há outros mil como eu que apenas vêem Morte nas páginas da Vida. Deixem-me morrer, que eu já morri. Já vi tudo o que tinha para ver e o meu futuro abre-se perante mim como uma cova na terra pagã.
Lá ao fundo oiço uma voz que chama o meu nome. Claro que eu sei que não é para mim; chamam o gato, a quem lhe deram o meu infeliz nome, e ele vem, contente e sem quaisquer perturbações. “Invejo a sorte tua, que nem sorte se chama”. Tu, que nada sabes sobre controlo nem sobre a vida. Tu, que nunca tentaste nada. Sempre foste. Invejo-te, tu, que nem homem és mas tens ao menos quem te chame. Banho-me e lavo o meu corpo das impurezas que me cobrem através de um óleo. Sinto a sujidade a sair de mim. Por um momento, sou puro. A água que cobre o meu corpo reflecte um líquido luar prateado. Aos poucos, esse luar toma uma tonalidade rosa para, em seguida, s’erguer num vermelho sangue de chamas apagadas.
Olho para tudo o que já fui nem nunca fui: Havia tanto, tanto…E agora sou nada. Sou apenas mais um... Quem me dera ser especial... Num olho brincalhão ali… Um amigo acolá… Penso como é bom repousar a cabeça no peito de uma mulher… Como é bom rir… Como é bom o vosso carinho… Como seria bom se eu não…
David João
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